O piquenique do último domingo foi calmo como o dia que o acolheu, com sol ameno. Estávamos em poucos, numa conversa mansa, falando de pães, bolos e frutas. Fabiana, Airton e eu levamos pães, cada um com receita diferente.
As crianças estavam empolgadas e talvez tenham vindo perguntar sobre alguma planta. Não sei qual foi o gancho, mas me lembrei de uma ideia que tive dia desses, de salvar pés de frutas em situação de risco. Isto me ocorreu quando, olhando pela janela do ônibus parado no trânsito sobre o asfalto quente, vi uma goiabeirinha feia crescendo na fresta da calçada. Desnutrida, folhas manchadas, mas lutando para sobreviver. Esta não tem condição nenhuma de chegar à idade adulta, pensei. E passei a avistar outras fruteiras como mangas, nêsperas e muitas pitangas nascidas por teimosia por ação de pássaros ou gentes que as levam para longe. Há aquelas que crescem sob a sombra das árvores mães, dos frutos caídos de maduro.
Contei sobre as divagações, Fabiana gostou da ideia e já deu nome ao movimento: "Exército de Drummond", por causa do poema, transcrito lá embaixo. Todos nós, Marcos, Airton, Fabiana, Edu, eu, fomos acrescentando ideias divertidas, como índice de vulnerabilidade, aplicativos para medição do grau no I-phone, kit salva-mudas, logotipo, site, planos de distribuição das mudas etc. Como não consigo ter pensamentos muito grandiosos ou ramificados, resolvi testar a ideia pequena ali mesmo na praça, com as crianças, sempre tão engajadas. Saímos com olhos atentos para identificar árvores, especialmente frutíferas, de pequeno tamanho sem chances de sobrevida (na próxima passagem do jardineiro da prefeitura, adeus pitangueirinhas!). Começamos a ficar bastante animados quando conseguimos identificar centenas de espécies que poderiam ir para o vasinho e depois ser doadas para quem pudesse dar a elas um solo digno. Outras, como mamão já grande, pé de maracujá e até tomate e feijão, ficariam por ali. Não arrancamos todas as que se encaixavam no nosso critério pois estávamos sem ferramentas e recipientes apropriados, mas a algumas, incluindo cafezeiros, não resisti. Pelo menos doze mudas já estão em vasos - depois mostro foto.
Então, nosso piquenique foi assim, com as crianças cheirando folhinhas, comparando com as árvores mães, aprendendo a reconhecer, olhando a praça com outros olhos, colhendo sementes. E nós, adultos, viajando também em tirar goiabeiras das frestas de calçadas e espalhar frutíferas por todos os quintais. João e Chico teriam gostado, mas quando eles voltarem de Barcelona, nosso exército ficará completo.
[...]
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Neide,
ResponderExcluirque postagem linda... adorei o exército do Drummond. Mas olhe, aquela coisa verde deitada e marinada é um abacate? Coisa linda e se for um abacate é uma ótima idéia servir assim... Sou fanática por abacate e sinto uma falta imensa desses abacates manteiga de casa...
A próxima vez que eu estive em SP vou me convidar para um desses piqueniques.
Beijos.
Claudia
Claudia, está convidadíssima! Sim, é abacate temperado. Dia desses dou a receita, mas não tem segredo.
ResponderExcluirbeijos, N
Adoro o blog. Fiquei fascinada com tudo e com o poema de Drummond entao? A vida brota mesmo no asfalto, que coisa linda é a vida! Ah, fico esperando a receita do abacate temperado.
ResponderExcluirMaria Anunciada
Currais Novos/RN
anunciadaoc@hotmail.com
Publique a receita do abacata. Parece muito bom.
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