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2 de fevereiro de 2012

arejar raízes

mudar de casa, de cidade, de país, mudar de língua e hábitos é bom, é como arejar as raízes de uma planta, trocar a terra, o alimento. faz a gente relembrar que na vida tudo é transitório, embora nem sempre tudo seja transitivo. o melhor é que nos faz olhar para pequenas coisas da rotina que nos são muito preciosas. os caminhos por onde se passa, o passar das estações, a banca de jornal que se conhece, o peixeiro, as ervas que crescem nas calçadas, a hora que os vizinhos passam na rua, os cheiros das tantas partes da cidade por onde se anda sem nem olhar os mapas.
e uma nova rotina vai se configurando lentamente. o clima é outro, os cheiros, os vizinhos, o gosto da água.
nesse movimento entre o antigo e o novo, entre o que se tem como certo e o incerto que se descortina, há as pequenas despedidas. a vida é um novo dia a cada vez e a cada vez pequenas despedidas do que não somos mais, do dia que termina, as pessoas que vêm e vão.
uma dessas pequenas despedidas foi a despedida do piquenique perto de casa. claro que há muitas casas e muitos lugares perto de casa e muitos piqueniques. mas vai fazer falta encontrar as pessoas. são todas conversas que se desfiam lentamente ao longo do tempo, raramente conversas rápidas. e porque são conversas que se desfiam, são laços que se constroem lentamente também, pequenos fios a nos atar delicadezas.
como milenarmente fazem os humanos, o encontro envolve o comer, o experimentar sabores, cheiros diferentes que cada um traz de sua casa e coloca ali, no coletivo. o piquenique tem sido o espaço de cada mês de partilhar o humano que somos e ali vivenciar o que é público e coletivo. ninguém é melhor nem pior quando está num piquenique. cada um vai se quer e quando quer. cada um leva o que pode levar e às vezes nem leva nada. e também isso é bom. há quem apareça uma vez e nunca mais. há quem participe de todos. há quem nem venha mas acompanhe as histórias, as comidas, as receitas e as chuvas que tantas vezes nos fazem correr para casa. desses muitos piqueniques perto de casa que se inserem no nosso piquenique perto de casa que sentirei falta.
virão outras possibilidades, outras descobertas do que é uma cidade dentro da cidade, outras vivência do coletivo, do público. e virão as visitas. e poderemos fazer piqueniques perto de casa estando todos longe de casa. e poderemos rir, abraçar, retomar as conversas em seu fio sem meada.
depois, será o tempo de voltar, lembrando que nunca nada volta, porque somos sempre outros e sempre outro o mesmo rio.
até lá, que venham as receitas. entrarei cada dia a ver se reencontro na página os cheiros e as cores das nossas praças tão perto de casa.