quando chegamos por aqui e era inverno – não tão
duro, mas
inverno – nos dias de sol víamos piqueniques pelos parques. a maior
piada que
fazíamos é que aqui ninguém pediria ajuda para fazer o óbvio: juntar
comida
gostosa, boa bebida, um pano para se sentar e ótima companhia. estivemos
em outra
capital européia e ali também piqueniques para todo lado na primavera
que recém
começava. nossos amigos de lá, depois que conversamos sobre as tantas
repercussões deste blogue (piquenique perto de casa) ainda brincaram
que iriam nos ensinar a fazer um
piquenique de verdade. não resisti e fotografei zé nos ensinando a
montar sanduíches e
depois todos nós num parque... um dia a gente descobre se aprendeu ou
não a fazer piquenique...
imaginei que o verão seria o ponto alto dos piqueniques. e me
enganei. na medida em que o tempo esquenta, os espaços públicos se enchem de
atividades até tarde, e ninguém precisa de pretexto do tal piquenique. mesmo assim,
há grupos que se sentam nas gramas e aproveitam para comer e beber e conversar.
mas é diferente. no finalzinho do inverno e no começo da primavera, era como se o
piquenique fosse um evento, em si. agora é só parte de um movimento mais amplo de usar a
rua, as praças, os parques, as praias, as calçadas. não se precisa de um
pretexto como o piquenique para se sair de casa.
em são paulo, e posso imaginar que em outras cidades do brasil
também, os piqueniques não são decorrentes do não se ter o que fazer. eles são um
pretexto. são um pretexto para nos colocar em contato com outras pessoas com as
quais talvez nunca encontrássemos outra coisa em comum. são um pretexto para
usarmos praças, parques, calçadas, para criarmos nossas praias, para que sejam públicos os nossos espaços públicos.
os piqueniques já fizeram parte da vida de muita
gente, quando se ia à praia, passar o dia, quando se ia ao zoo, quando
se visitava alguém que morava perto o suficiente para a gente não dormir
lá, mas longe o bastante pra sentir fome no meio do caminho. piquenique
no jardim botanico, no ibirapuera, em paranapiacaba... quem não fez?
depois, deixou de ser bacana, virou ¨farofada¨, com uma entonação de voz
das mais depreciativas. era coisa pra quem não podia se permitir
frequentar um restaurante. assim, mesmo, com essa pompa: frequentar um
restaurante... ainda que o restaurante muitas vezes não fosse lá essas
coisas...
por aqui, a diversidade de certa forma é mais
respeitada, tanto no vestir, no pensar, no comer. e o uso do espaço
público, por conta disso, é muito mais múltiplo e variado. cada um vai à
praia como quer: de terno, de tênis, de calcinha, de vestido, de
biquini, de maiô, pelado, de short, de sunga, de véu, com o casaco de
inverno... e tudo bem. e vai gente sozinha, vai de par, vai de turma. e pode ser criança, velho, jovem, adolescente, adulto, maduro, verde, pontepretano e barcelona. e tudo bem...
quando todo mundo sai de suas tocas a gente pode se
ver. e
quando a gente se vê, vendo que é cada um diferente do outro, que tem
marrom rosa lilás
verde amarelo laranja. tem velho novo novinho mais ou menos velho. tem
pequeno
grande minúsculo médio. tem gordo magro alto e baixo. tem cabeludo tem
careca
tem peituda tem torto tem reto tem enrolado e tem liso. tem quem use
havaianas,
tem quem ande descalço. tem quem ande de carro. de bicicleta. ou, como
eu, que ando a pé. que cada um pode ser como quiser e ir e
vir como achar melhor e nisso está a graça de estarmos vivos.
se cada um vive a vida escondidinho em casa, ou por
trás de fantasias que nos tornam todos iguais, na hora do
encontro, gasta-se muito tempo com o susto ao se descobrir alguém ou
alguma coisa diferente. mas se a gente vive sempre por aí pra todo
lado e de todo jeito se vendo e se saudando, o encontro vem e se firma e
vai e
vira novos encontros, sem tanto susto.
por essas e outras que, apesar de sentir falta do perto de casa
daí, desse piquenique, onde já
tecemos longas histórias para todo lado, também gosto do perto de
casa daqui que é ver o outro diferente todo o tempo e que nem
precisa de muito piquenique pro pique de se saber público: cada um é ao
mesmo tempo único,
ao mesmo tempo igual. o melhor de tudo é que tem o aqui e tem o ali. e tem também o mais acolá.
tão humano isso. amplo. bom.
vou aproveitar a postagem para apresentar uma das comidas mais típicas daqui, o
pa amb tomàquets (receita de pão com tomates para preparar no
piquenique). embora não tenha muito mistério, achei uma delícia ouvir a
explicação de nossa professora de catalão, quando lhe perguntei como
costumava preparar. ela começou nos explicando que um bom pão com
tomates precisa de um bom pão, firme, gostoso (ela não sabe, mas o que
ela quer dizer é que precisa de um pão da neide, da fabi, da chus). é
preciso cortar o pão em fatias firmes mas não muito grossas. depois, é
preciso ter tomates bons, também, maduros e macios. não pode ser
qualquer tomate (ela não sabe que, na verdade, o brasil não anda muito
bem em relação ao controle de agrotóxicos nos tomates. mesmo sem saber
disso, ela acha que todos deveríamos ter um pé de tomate mesmo que fosse
na varanda do apartamento.). então, é preciso cortar o tomate em dois e
esfregar no pão, segurando a metade do tomate pelo lado que ficou com
pele, por suposto. depois, um fio de azeite de boa qualidade por cima
desta fatia de pão que se esfregou com um bom tomate. e um pouco de sal,
sim. fica bom. muito bom. lembre-se da qualidade dos ingredientes, ela
diz. pergunto se devo esquentar o pão antes de esfregar os tomates. ela
diz nãããããoooo. depois diz: mas se quiser aproveitar algum pão que se
deixou esquecer de um dia para o outro, pode fazer torradas com tomates.
daí, sim, esquente o pão antes de passar os tomates. e também pode
passar tomate e azeite e sal na fatia de pão que vai usar para um
sanduíche (entrepá), sim, claro. mas não confunda: um pa amb tomàquets é
um pa amb tomàquets. e bons ingredientes, não esqueça. ter bons
ingredientes é fundamental...
(as toalhas de piquenique que se vendem na loja onde foi
comprada a toalha de piquenique que mais aparece nas fotos deste blogue são idênticas
às toalhas vendidas na loja do mesmo nome aqui. só nos resta dizer: zhōngguó wànsuì!)
adorei esse texto Veronika! aproveite muitíssimo a linda Espanha. beijos,
ResponderExcluirfer! que surpresa boa. hoje, me perdi no chucrute como há tempos não me permitia. como vê, sempre me inspira... bj. v.
ResponderExcluirVe, Adorei o post! E faz um tempão que queria te perguntar: vc já se deu conta de que o Mussum falava catalão? rsrsrs
ResponderExcluirAmei queridos. Experimentem trocar o leite por yogurt no bolo de fubá.
ResponderExcluirBjs, P. Melo BH.
O blogue de vcs é uma delícia. POR UMA CULTURA DE PIQUENIQUE!!!
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