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7 de junho de 2012

pa amb tomàquet

quando chegamos por aqui e era inverno – não tão duro, mas inverno – nos dias de sol víamos piqueniques pelos parques. a maior piada que fazíamos é que aqui ninguém pediria ajuda para fazer o óbvio: juntar comida gostosa, boa bebida, um pano para se sentar e ótima companhia. estivemos em outra capital européia e ali também piqueniques para todo lado na primavera que recém começava. nossos amigos de lá, depois que conversamos sobre as tantas repercussões deste blogue (piquenique perto de casa)  ainda brincaram que iriam nos ensinar a fazer um piquenique de verdade. não resisti e fotografei zé nos ensinando a montar sanduíches e depois todos nós num parque... um dia a gente descobre se aprendeu ou não a fazer piquenique...
imaginei que o verão seria o ponto alto dos piqueniques. e me enganei. na medida em que o tempo esquenta, os espaços públicos se enchem de atividades até tarde, e ninguém precisa de pretexto do tal piquenique. mesmo assim, há grupos que se sentam nas gramas e aproveitam para comer e beber e conversar. mas é diferente. no finalzinho do inverno e no começo da primavera, era como se o piquenique fosse um evento, em si. agora é só parte de um movimento mais amplo de usar a rua, as praças, os parques, as praias, as calçadas. não se precisa de um pretexto como o piquenique para se sair de casa.
em são paulo, e posso imaginar que em outras cidades do brasil também, os piqueniques não são decorrentes do não se ter o que fazer. eles são um pretexto. são um pretexto para nos colocar em contato com outras pessoas com as quais talvez nunca encontrássemos outra coisa em comum. são um pretexto para usarmos praças, parques, calçadas, para criarmos nossas praias, para que sejam públicos os nossos espaços públicos.
os piqueniques já fizeram parte da vida de muita gente, quando se ia à praia, passar o dia, quando se ia ao zoo, quando se visitava alguém que morava perto o suficiente para a gente não dormir lá, mas longe o bastante pra sentir fome no meio do caminho. piquenique no jardim botanico, no ibirapuera, em paranapiacaba... quem não fez? depois, deixou de ser bacana, virou ¨farofada¨, com uma entonação de voz das mais depreciativas. era coisa pra quem não podia se permitir frequentar um restaurante. assim, mesmo, com essa pompa: frequentar um restaurante... ainda que o restaurante muitas vezes não fosse lá essas coisas...
por aqui, a diversidade de certa forma é mais respeitada, tanto no vestir, no pensar, no comer. e o uso do espaço público, por conta disso, é muito mais múltiplo e variado. cada um vai à praia como quer: de terno, de tênis, de calcinha, de vestido, de biquini, de maiô, pelado, de short, de sunga, de véu, com o casaco de inverno... e tudo bem. e vai gente sozinha, vai de par, vai de turma. e pode ser criança, velho, jovem, adolescente, adulto, maduro, verde, pontepretano e barcelona. e tudo bem...
quando todo mundo sai de suas tocas a gente pode se ver. e quando a gente se vê, vendo que é cada um diferente do outro, que tem marrom rosa lilás verde amarelo laranja. tem velho novo novinho mais ou menos velho. tem pequeno grande minúsculo médio. tem gordo magro alto e baixo. tem cabeludo tem careca tem peituda tem torto tem reto tem enrolado e tem liso. tem quem use havaianas, tem quem ande descalço. tem quem ande de carro. de bicicleta. ou, como eu, que ando a pé. que cada um pode ser como quiser e ir e vir como achar melhor e nisso está a graça de estarmos vivos.
se cada um vive a vida escondidinho em casa, ou por trás de fantasias que nos tornam todos iguais, na hora do encontro, gasta-se muito tempo com o susto ao se descobrir alguém ou alguma coisa diferente. mas se a gente vive sempre por aí pra todo lado e de todo jeito se vendo e se saudando, o encontro vem e se firma e vai e vira novos encontros, sem tanto susto.
por essas e outras que, apesar de sentir falta do perto de casa daí, desse piquenique, onde já tecemos longas histórias para todo lado, também gosto do perto de casa daqui que é ver o outro diferente todo o tempo e que nem precisa de muito piquenique pro pique de se saber público: cada um é ao mesmo tempo único, ao mesmo tempo igual. o melhor de tudo é que tem o aqui e tem o ali. e tem também o mais acolá.
tão humano isso. amplo. bom.

vou aproveitar a postagem para apresentar uma das comidas mais típicas daqui, o pa amb tomàquets (receita de pão com tomates para preparar no piquenique). embora não tenha muito mistério, achei uma delícia ouvir a explicação de nossa professora de catalão, quando lhe perguntei como costumava preparar. ela começou nos explicando que um bom pão com tomates precisa de um bom pão, firme, gostoso (ela não sabe, mas o que ela quer dizer é que precisa de um pão da neide, da fabi, da chus). é preciso cortar o pão em fatias firmes mas não muito grossas. depois, é preciso ter tomates bons, também, maduros e macios. não pode ser qualquer tomate (ela não sabe que, na verdade, o brasil não anda muito bem em relação ao controle de agrotóxicos nos tomates. mesmo sem saber disso, ela acha que todos deveríamos ter um pé de tomate mesmo que fosse na varanda do apartamento.). então, é preciso cortar o tomate em dois e esfregar no pão, segurando a metade do tomate pelo lado que ficou com pele, por suposto. depois, um fio de azeite de boa qualidade por cima desta fatia de pão que se esfregou com um bom tomate. e um pouco de sal, sim. fica bom. muito bom. lembre-se da qualidade dos ingredientes, ela diz. pergunto se devo esquentar o pão antes de esfregar os tomates. ela diz nãããããoooo. depois diz: mas se quiser aproveitar algum pão que se deixou esquecer de um dia para o outro, pode fazer torradas com tomates. daí, sim, esquente o pão antes de passar os tomates. e também pode passar tomate e azeite e sal na fatia de pão que vai usar para um sanduíche (entrepá), sim, claro. mas não confunda: um pa amb tomàquets é um pa amb tomàquets. e bons ingredientes, não esqueça. ter bons ingredientes é fundamental...

(as toalhas de piquenique que se vendem na loja onde foi comprada a toalha de piquenique que mais aparece nas fotos deste blogue são idênticas às toalhas vendidas na loja do mesmo nome aqui. só nos resta dizer: zhōngguó wànsuì!)

5 de junho de 2012

Piquenique de junho de 2012


O piquenique do último domingo foi calmo como o dia que o acolheu, com sol ameno. Estávamos em poucos,  numa conversa mansa, falando de pães, bolos e frutas. Fabiana, Airton e eu levamos pães, cada um com receita diferente. 














As crianças estavam empolgadas e talvez tenham vindo perguntar sobre alguma planta. Não sei qual foi o gancho, mas me lembrei de uma ideia que tive dia desses, de salvar pés de frutas em  situação de risco. Isto me ocorreu quando, olhando pela janela do ônibus parado no trânsito sobre o asfalto quente,  vi uma goiabeirinha feia crescendo na fresta da calçada. Desnutrida, folhas manchadas, mas lutando para sobreviver. Esta não tem condição nenhuma de chegar à idade adulta, pensei. E passei a avistar outras fruteiras como mangas, nêsperas e muitas pitangas nascidas por teimosia por ação de pássaros ou gentes que as levam para longe. Há aquelas que crescem sob a sombra das árvores mães, dos frutos caídos de maduro. 


Contei sobre as divagações, Fabiana gostou da ideia e já deu nome ao movimento: "Exército de Drummond", por causa do poema, transcrito lá embaixo. Todos nós, Marcos, Airton, Fabiana, Edu, eu,  fomos acrescentando ideias divertidas, como índice de vulnerabilidade, aplicativos para medição do grau no I-phone, kit salva-mudas, logotipo, site, planos de distribuição das mudas etc. Como não consigo ter pensamentos muito grandiosos ou ramificados, resolvi testar a ideia pequena ali mesmo na praça, com as crianças, sempre tão engajadas. Saímos com olhos atentos para identificar árvores, especialmente frutíferas, de pequeno tamanho sem chances de sobrevida (na próxima passagem do jardineiro da prefeitura, adeus pitangueirinhas!). Começamos a ficar bastante animados quando conseguimos identificar centenas de espécies que poderiam ir para o vasinho e depois ser doadas para quem pudesse dar a elas um solo digno. Outras, como mamão já grande, pé de maracujá e até tomate e feijão, ficariam por ali.  Não arrancamos todas as que se encaixavam no nosso critério pois estávamos sem ferramentas e recipientes apropriados, mas a algumas, incluindo cafezeiros, não resisti. Pelo menos doze mudas já estão em vasos - depois mostro foto.  

Então, nosso piquenique foi assim, com as crianças cheirando folhinhas, comparando com as árvores mães, aprendendo a reconhecer, olhando a praça com outros olhos, colhendo sementes.  E nós, adultos, viajando também em tirar goiabeiras das frestas de calçadas e espalhar frutíferas por todos os quintais. João e Chico teriam gostado,  mas quando eles voltarem de Barcelona, nosso exército ficará completo. 











A flor e a náusea (do livro A Rosa do Povo, Carlos Drummond de Andrade)
[...]

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

3 de junho de 2012

brigadeiro com canela


A Clarice Lispector dizia que devíamos fazer de cada domingo, um reveillon modesto.

E aí, no piquenique de hoje, resolvi fazer um prato de festa, assim sem mais nem menos, sem ter motivo especial que não ver no rosto das crianças alegria e chocolate. Brigadeiro, então; com canela, para trazê-la ao nosso piquenique.

1 caixa de leite condensado
2 colheres de cacau em pó
1 colher de manteiga
canela a gosto

Eu enrolei ainda mornos e passei no granulado misto de chocolate normal e chocolate branco. O ponto ficou divino: macio, macio, derretendo na boca (a Neide está de prova: colocou um dentro do café e o brigadeiro se desmanchou feito as pernas no primeiro beijo...).

Só porque "A realidade deveria ter mais de brigadeiro. De algo que se possa moldar ainda morno com as próprias mãos, redondo e doce e possível. Viver deveria ter um pouco mais de brigadeiro. De algo em que, querendo, basta enfiar a colher" (Nathalie Lourenço, em seu Sabedoria de Improviso).

Boa semana!